PRÁ COMEÇAR O 2012!!!
Lembro-me de uma história contada
pelo distinto Ministro do STF Carlos Ayres Brito, quando ele saía de um
restaurante em Brasília e foi abordado por um guardador de carros; uma pessoa
humilde e visivelmente de poucas posses, que imediatamente o reconheceu e
afirmou estar ali guardando o veículo de Ayres Brito. Polido e integralmente
conhecedor das agruras da vida, o ministro que havia pagado a conta com cartão
de crédito e não possuía nenhuma soma em dinheiro, agradeceu o gesto do homem e
lhe disse que “ficaria lhe devendo”, explicando-lhe o motivo de não ter
dinheiro físico consigo. O homem que parecia ser morador de rua disse ao
Ministro: - O senhor não me deve nada, Ministro! Basta que o senhor faça
cumprir a Constituição e está tudo certo!
Eu preferi iniciar este texto com uma
das tantas passagens prosaicas, sem ser vulgar, envolvendo figuras do
judiciário brasileiro, antes de citar trechos de Cleide Canton, poetisa e
bacharela em direito, que muitos atribuem a Rui Barbosa. Na poesia “Sinto
vergonha de mim” a poetisa cita um trecho curioso, para não afirmá-lo
corriqueiro: “Sinto vergonha de mim Por ter sido educadora de parte
desse povo, por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a
honestidade, por primar pela verdade e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra...”
O ícone do direito moderno Rui
Barbosa, aproveitando-se de uma inspiração nata vomitou em letras aquilo que
muito de nós aplaudimos, mas poucas vezes praticamos: “De tanto ver
triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a
injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem
chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser
honesto.”
Todas estas passagens e preliminares
me serviram de inspiração para comentar sobre o tema mais atual da justiça
brasileira, a batalha de togas travada entre todos os palcos da justiça
brasileira e o Conselho Nacional de Justiça, o CNJ. Considerado atualmente como
o “exorcista da juizite”, uma doença crônica e contagiosa que se instala na
cabeça de algumas más pessoas togadas, o CNJ tenta reescrever a história de
nossa justiça cortando na própria carne; mas o Judiciário é mais poderoso do
que se imagina e esta operação de caça as bruxas pode ter dias contados, pelo
menos se depender de alguns traquinas que trabalham na Praça dos Três Poderes.
Criado em dezembro de 2004 com a
missão de controlar a atuação administrativa e financeira dos demais órgãos do
judiciário; o mecanismo também tem por atribuição supervisionar o cumprimento
dos deveres funcionais dos juízes. Para os leigos, quando falamos em juízes,
estamos citando os Santos e os Deuses, juízes e desembargadores. O que o
constitucional CNJ tem que fazer é tentar garantir o controle administrativo e
processual, o desenvolvimento e a transparência de toda justiça deste país; e
se foi criado para esta finalidade é por que se presume que até 2004 isso não
era feito.
Para quem conhece somente um
pouquinho do Poder Judiciário sabe bem que ele é uma verdadeira “caixa de
pandora”, principalmente quando se precisa discutir temas mais intrínsecos a
juízes, desembargadores e ministros, porque muitos destes togados jamais se
sentiram “servidores públicos” e sentem-se livres para agir ao bel prazer,
elevando o adágio popular que diz que metade dos juízes pensam que são Deus; a
outra metade tem certeza.
Traduzindo em miúdos o CNJ chegou
para ser uma espécie de balizador; pondo um freio no trem desgovernado e
carregado, que sempre administrou a justiça brasileira. O CNJ teria que mostrar
na prática que “suas excelências”, os magistrados, são eminentes árbitros de
questões, inclusive as deles próprios; mas que são funcionários públicos com um
destaque que lhes cobram que o sejam arquétipos da verdade e comprovados profissionais
aptos a exercer a função que lhes foram conferidas por diploma.
A coisa andou calma até aparecer uma
figura pouco conhecida do grande público; uma mulher que dizem nos corredores
do STJ, sua casa de origem, que veste saia, mas também usa calça comprida. Uma
mulher que vem de minha terra, a mesma terra de Rui Barbosa, a Bahia; que
sempre honrou suas atribuições e que deseja manter-se fiel em sua missão, o
ministério de julgar imparcialmente e apresentar ao povo apenas a verdade. O
nome desta mulher é Eliana Calmon Alves, com 67 anos, nascida em Salvador,
Ministra do Superior Tribunal de Justiça desde 1999 e Corregedora do CNJ. Uma
magistrada que inclui em seu currículo os cargos de procuradora do Estado,
procuradora da república, juíza federal e o cargo que muitos chamam de
desembargadora federal.
O problema é que Eliana Calmon
comprou uma briga entre a verdade e seus colegas de toga e esta briga chegou,
finalmente, ao STF, veemência máxima do Poder Judiciário do Brasil; e pelo
visto, tem gente com receio das pronúncias da xerife do CNJ.
No judiciário há um livro negro
imaginário que 99,99% das pessoas desconhecem. Neste livro negro imaginário
constam anotações sigilosas que legitimam a máxima: salário de juiz é muito
bom, mas as regalias são maravilhosas. O juiz comum ganha uma ninharia em
comparação com o que embolsa o juiz profissional político. Se falam mal de
cursos, viagens e regalias do Legislativo é porque não conhecem as regalias do
judiciário. São fortunas pagas com o dinheiro público para esta gente se
deslocar, comer, beber, morar, viajar, se equipar, enfim, o Brasil sequer
imagina o quanto se gasta para pagar as mordomias dos juízes políticos; e é
justamente isso que Eliana Calmon quer esclarecer e dar um ponto final.
Não se pode citar novas notícias sem
compará-las com as antigas e neste ponto convergente de interesses é que se
encontram novos e velhos chacais da justiça. Então Eliana tem outras duas
brigas; uma com o conselho de classe (concentração da juventude togada) e a
outra com os tribunais, onde estão os merecedores (nem sempre) bidecanos. O
páreo é duro, porque de um lado tem número e do outro, poder; e ambos querem
calar a ministra.
Então quem é que sobra para defender
a verdade? Pelo que estamos vendo na imprensa só restou a própria imprensa, que
é impotente diante de todos eles. Na justiça não funciona o mecanismo da
denúncia X investigação = afastamento. No caso do Poder Judiciário, se não há
um comando ético e comprometido com a verdade o resultado é sempre ligado a
impunidade.
Eliana Calmon está pagando um preço
caro por suas declarações atualizadas e por coordenar programas dentro do CNJ
que elucidam crimes praticados por servidores públicos e divulgam nomes destes
mesmos servidores. Está pagando um preço caro, porque também é ela a
coordenadora do Sistema Nacional de Controle de Interceptações Telefônicas; um
mecanismo que pondera os atos falhos de juízes que autorizam irresponsavelmente
grampear telefones de qualquer pessoa. Paga um preço caro por também coordenar
programas de combata a corrupção e a lavagem de dinheiro; e outros programas
como as inspeções e audiências públicas e finalmente o programa Justiça Aberta.
Diante de tudo isso e observando a
atuação da Ministra Eliana Calmon, como deve estar se sentindo as pessoas que
raramente compreendem todo este processo? Talvez as pessoas se sintam assim,
mais uma vez parafraseando Cleide Canton: “Sinto vergonha de mim por
ter feito parte de uma era que lutou pela democracia, pela liberdade de ser e
ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente, a derrota das
virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez no julgamento da verdade... Tenho
vergonha de mim a tantos "floreios" para justificar atos criminosos,
a tanta relutância em esquecer a antiga posição de sempre "contestar",
voltar atrás e mudar o futuro... Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena
de ti, povo brasileiro”.
Há exatos 10 anos uma passagem
infausta me fez trocar de posicionamento; entre a poesia de Ayres Brito e a
dureza das decisões da própria Eliana Calmon. Creio que depois disso e depois
de tantos detrimentos e desbarato, passei a acreditar, tardiamente talvez; que
a Justiça brasileira se comove muito mais com seus percalços do que com o
provimento de retidão. Um palco onde os erros somente acontecem dos réus
culpados, mas estes jamais são pertencentes do próprio judiciário, pelo menos
para os que não praticam a política dentro do Poder.
Estes bastiões travestidos de grãos
mestres, embora em menor número, chantageiam a história brasileira, porque são
aliados firmes dos outros Poderes e de outros poderosos. Gente que expurga de
seus dicionários a independência dos próprios poderes, apenas quando anseiam
pela permanência nos elevados cargos que possuem; e que fazem de tudo para que
o aleive se confunda com supressão; porque sabem bem que o povo, este nada faz,
nada pode e nada diz; porque o povo não é nada diante de seus lauréis.
Apenas espero, de joelhos
(poeticamente falando), que estes intocáveis não só sejam desmascarados, porque
somente assim é que ainda poderemos sonhar com uma justiça equitativa; uma
justiça que apresente não os santos ou os deuses, mas simplesmente os juízes na
exata forma que eles os são. Espero que aquele homem em desgraça pessoal que um
dia cruzou o caminho do Ministro Ayres Brito, tenha orgulho, mesmo tardio, de
pelo menos um ministro do STF, faça de fato cumprir a Constituição Federal; e
nada mais...!
“Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra, das minhas desilusões e do meu cansaço. Não tenho para
onde ir pois amo este meu chão...” Cleide Canton.
Carlos Henrique
Mascarenhas Pires
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