Segunda-feira, 28/03/2011 - 10h16m
OPINIÃO - Lições da tragédia japonesa
É lamentável o número de mortes e o sofrimento decorrente do terremoto e do tsunami que castigaram o Japão. Apesar de tudo, essa tragédia proporciona uma oportunidade para tirar lições mais amplas e olhar o futuro.
Sob qualquer critério objetivo, na década de 1980 o Japão, de muitas maneiras, era impressionante, principalmente em relação ao mundo empresarial - as principais empresas japonesas eram assustadoramente inovadoras. Mas não se resumia apenas ao mundo industrial. Foi também uma época em que os japoneses chegaram a dominar muitas artes culinárias.
Durante aquele período, propagou-se o poder brando ('soft power') do Japão. Inauguraram-se centros de estudos em várias universidades, muitos de seus vizinhos asiáticos se sentiram estimulados em manifestar seu desejo de aprender com o país, restaurantes de sushi e outras formas de artes culinárias japonesas espalharam-se pelo planeta; o mangá definiu um novo gênero artístico; turistas japoneses se multiplicaram; Tóquio tinha a maior bolsa de valores; o país se tornou o maior contribuinte mundial de ajuda externa e muitas marcas japonesas se tornaram sinônimo de excelente qualidade e inovação. Em 1989, quando o IMD publicou seu primeiro ranking de competitividade, o Japão estava disparado em primeiro lugar, enquanto os EUA era o terceiro.
Aí, algo aconteceu e o Japão tomou um rumo completamente diferente, radical e inesperado. A bolha de ativos estourou no início nos anos 90, com quedas bruscas do índice Nikkei e do valor de propriedades. Porém, foi mais do que isso, o Japão parecia não ter entendido as profundas transformações impulsionadas pelas principais forças motrizes da virada do século: a demografia, a revolução da TI, a ascensão da China e a globalização.
O Japão não conseguiu assumir este desafio para realmente encontrar oportunidades de crescimento fora de casa. Consequentemente, muitas empresas japonesas estão presas no mercado interno, dificultando cada vez mais sua globalização.
Na década de 1980, as empresas japonesas mantiveram sua liderança em muitos produtos eletrônicos "duros", mas o foco estava rapidamente mudando para a internet. As tentativas dos novos empresários japoneses em criar novos negócios de risco "à la Steve Jobs" foram rapidamente esmagadas pelas grandes empresas japonesas tradicionais. No entanto, hoje não há nenhuma Microsoft, Google ou Apple japonesa.
Sua atitude em relação à China era interessante. Apesar da proximidade física e cultural, atitudes atavísticas impediram os japoneses de responder adequadamente ao aumento da concorrência chinesa. Quanto à globalização, os japoneses estavam despreparados em muitos aspectos, incluindo o imperativo fundamental de dominar o idioma inglês.
Considerando que o Japão era o maior destaque nos anos 80, nas últimas duas décadas sua economia e seu espírito tem sido vagaroso, além de estar notavelmente ausente perante a atenção e discursos globais. Os japoneses têm se fechado para o mundo. Por exemplo, o número de estudantes estrangeiros nas universidades dos EUA e outras pelo mundo têm crescido. No Japão, tem diminuído. As empresas japonesas têm tido grandes dificuldades em emplacar executivos no exterior ou mesmo recrutar funcionários com habilidades básicas globais.
O Japão parece ter entrado em uma fase de depressão profunda e sensação de isolamento do mundo. Os japoneses falam cada vez mais da "Galápagonização" (garapagosuka) do país, em referência às ilhas isoladas situadas a 1.000 km de Equador, no Pacífico. A própria anomia do Japão resultou em uma indiferença global - diferentemente de 20 anos atrás.
No entanto, essa terrível tragédia mostra de muitas maneiras o que os japoneses têm de melhor. É desnecessário dizer que o mundo deve voltar sua atenção para o Japão devido às catástrofes que está enfrentando. Mas o povo japonês, diante desta tragédia, tem mostrado uma coragem impressionante, dignidade e perseverança. Muitos comentaristas estrangeiros notaram seu estoicismo incrível e a ordem que conseguiram manter diante das mortes. Em quantos países do mundo se poderia imaginar tal cenário, mesmo em relação a tragédias menores?
Enquanto o mundo observa o Japão com angústia e admiração, lembramos da grande capacidade de resistência do povo japonês e quanto, de fato, eles têm a oferecer. Os mortos terão de serem enterrados e lamentados, os que sofrem terão de ser consolados e os prejuízos terão de ser reparados. Mas esperamos também que a incrível capacidade tradicional do Japão de renascer das cinzas como uma fênix vai se manifestar novamente e que, tendo se mostrado tão digno e corajoso diante da grande tragédia, o japonês irá "encobrir o Galápagos" e voltar a participar do mundo, do qual pode se beneficiar, mas com o qual também pode contribuir, e muito.
O dia 11 de março de 2011 pode marcar uma nova fase na história do Japão, com os japoneses recuperando sua autoconfiança e se abrindo intelectualmente ao mundo, como foi há muitas décadas. Nesta nova fase, o Japão vai pegar o próximo trem da globalização e exercer uma forte influência no encontro dos desafios globais do futuro.
Jean-Pierre Lehmann é professor de Política Econômica Internacional e diretor-fundador do Evian Group no IMD.
Dominique Turpin é presidente do IMD. Ambos escreveram suas teses de PhD baseadas no Japão.
Fonte: Valor Econômico
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